Uma trilha pequena, escura e densa era o que seguiam os olhos do Gato que ia à frente da Gata, corendo juntos. As árvores passavam em uma velocidade alucinante enquanto os galhos costavam as laterais de seus corpos.
- Arf, arf, arf, arf, arf, não desista, estamos quase lá! - Arfava o Gato.
- Não aguento mais! Minhas pernas estão muito fracas!
- Rápido! Estou começando a ver os muros!
Os dois chegavam perto de uma grande construção feita de sólidos blocos de rochas, com uma entrada bem em sua frente.
Ouve-se um barulho ôco, o Gato olha para sua companheira e a vê caída, totalmente cansada, quase desmaiada. Com um olhar espantado, ele dá meia volta rapidamente e pula por cima dela. Olha assustado para trás e com razoável força morde o lombar de sua amada, forçando depois seu corpo com a cabeça, para que ela continue e entre pela porta.
A gata sai em disparada e se joga pra dentro do muro, que era muito maior por dentro do que por fora, caíndo exausta do outro lado.
O gato olha mais uma vez assustado para trás e uma nuvem negra o acerta em cheio, fazendo com que seu pequeno corpo voe para dentro do muro e bata em algo que o fez cair ferido ao seus pés, ao mesmo tempo em que uma grande e forte porta de madeira se fecha, tapando a entrada do muro.
A Gata abre os olhos e procurando pelo seu amado ao seu redor, o vê há uns vinte passos de distância, ferido e desmaiado.
- Levante-se! Levante-se! Acorde pelo amor de Deus!
O Gato com um olhar distante olha para a Gata:
- Vo...você está bem!?
A Gata com lágrimas nos olhos responde:
- Não se preocupe meu amor, vamos conseguir sair dessa, estamos à salvo aqui dentro.
Os dois se encostaram e dormiram até o outro dia.
Quando acordaram, o casal de gatos não sabia onde estava; era como uma mansão feita de blocos de pedras que tinha no mínimo o quadruplo do tamanho do Gato. Os dois entraram pela pequena porta que dava acesso à vários corredores. Era tudo muito iluminado, como se houvesse luzes brancas que clareavam tudo ao redor de paredes muito ornamentadas, com vigas gregas que sustentavam o teto, muito acima de suas cabeças. Seguindo um dos corredores, chegaram à uma sala redonda, muito ampla, onde havia sete circulos no centro, um rodeando o anterior, e acima de suas cabeças, no telhado, havia uma porta circular de madeira que estava fechada. Nas paredes haviam seis portas.
Ouviram a porta bater.
Os dois olharam um para o outro sem entender o que estava acontecendo ali.
Uma voz suave, porém muito alta e penetrante quebrou o silêncio.
- Posso entrar?
Os dois permaneceram parados, com medo.
- Não farei mal algum à vocês.
- Como saberemos disso? - Falou o Gato apreensivo.
- Não saberão... Mas caso não tenham percebido, vocês não estão em vantagem com toda aquela quantidade de lobos lá fora. Se quizerem eu posso ajudar.
- Como não saberemos que você não é um deles!? - Disse a Gata apavorada.
- Por acaso tenho voz de lobo?
Os dois se manteram juntos, e o Gato respondeu:
- Pode entrar.
A porta escancarou-se fortemente.
Nada apareceu ou desceu durante sete segundos.
Sete finas espirais de fogo começaram a descer lentamente até tocar os sete circulos, e descendo por entre elas, vinha um pássaro muito grande, de cor misturada com dourado e vermelho. Era um ser que trazia consigo chamas intensas e um calor agradável que automaticamente revigorou os pequenos gatos. O pássaro pousou graciosamente de frente aos dois que o olhavam espantados. Ele balançou o corpo para se livrar das chamas que o seguiam.
A porta fechou-se fortemente.
- Então... Vocês são o famoso casal de gatos que lutaram contra dez daqueles lobos infernais.
O gato agora percebera que não era um pássaro comum, era uma fênix.
- Sim, somos nós.
- Que bom que soube utilizar bem o fogo que enviei para cuidar de vocês.
- Fogo?
- Sim. Sabe, não é qualquer tipo de fogo que afugenta dez lobos ferozes como se eles não fossem nada.
- E porque você nos ajudou? - Pergunta a Gata.
- Tudo ao seu tempo pequeninos, tudo ao seu tempo.
- Você precisa nos ajudar, estamos encurralados aqui!
- Calma meu pequeno amigo, primeiro, antes de mais nada preciso lhe mostrar três coisas.
A Fênix bicou o circulo do centro, este se soltou e desceu junto com os outros, fazendo uma espécie de escada.
- Desça.
- Porque?
- Não quer evoluir? Tenho algo para você lá embaixo, algo que precisa encarar para evoluir, algo que precisa encarar para poder sair daqui.
O gato desce as escadas. A cada degrau o porão que descera ficava mais e mais escuro.
Ouviu um barulho estranho ao fundo, viu dois olhos brancos se abrirem e o barulho mostrou-se ser uma respiração muito ofegante. Em seguida, os olhos avançaram rapidamente sobre ele, derrubando-o no chão. A luz do andar de cima mostrou o rosto a qual pertencia os olhos, era uma pantera negra que começou a gritar:
- Eu posso ajudar você! Juntos acabaremos com todos os lobos que estiverem lá fora! Ha ha ha! Você não precisa de mais nada além de mim! Nem de coelho, nem de canária, nem de gata, muito menos de fênix!!! Eu sei tudo sobre você, sou o fruto do seu ódio, do seu rancor, das suas mágoas! Sou a sujeira negra que fica no fundo do seu lago! Você já me sentiu antes e gostou! Seremos mais poderosos ainda juntos!
- Não! Me solte! Não quero sua ajuda!
- Destruirei seus inimigos com as forças de minhas presas, engolirei todos eles.
- Saia de perto de mim! Fênix! Socorro! Não consigo me soltar!
Uma chama envolveu a Pantera, que começou a recuar e grintando carborizou-se, transformando-se apenas em ossos queimados.
O gato subiu rapidamente e irritado exclamou:
- Você é louco!?
- Alguns dizem que sim.
- Você quase me matou lá embaixo, qual é o propósito disso!? Que monstro era aquele!?
- Aquilo... Era você...
O Gato e a Gata pararam subitamente de respirar assustados.
- Como assim, era ele!? - Pergunta a Gata.
- Era o Gato, apenas evoluído da maneira errada, era o que ele estava cultivando dentro de si mesmo sem perceber, foi o que fez com que tratasse seus amigos com desprezo e viesse a fazer sua jornada sozinho. Naquele momento era a Pantera tomando conta das atitudes dele, se ele não percebesse, aos poucos ele iria se tornando naquele monstro. A partir do momento que você o rejeitou, rejeitou a si mesmo, o seu "eu" escondido. Ele começou a perder controle sobre você à partir do momento que você conheceu o verdadeiro amor, estava só aguardando um momento de se soltar em algum último ato desesperado, mas eu te libertei dele.
- Essa então foi a primeira coisa que você tinha para me mostrar?
- Exatamente.
- E o que vem agora?
Uma das seis portas ao redor deles se abre, lá de dentro ouve-se passos.
Eram dois personagens nunca antes vistos, uma águia pousada sobre uma capivara.
A águia olha atentamente para os dois, virando a cabeça, depois olha atentamente para a Gata, como se a estivesse medindo.
- Ela é muito bonita amigo, fico feliz que a tenha encontrado finalmente. - Disse a águia como se estivesse falando com um antigo amigo, se dirigindo ao Gato.
- Amigo? Nunca te vi em minha vida.
- He he he, até hoje a vejo do meu lado e me assusto, esqueço quem ela realmente é, acostumado com os velhos tempos. - Disse a Capivara.
- Velhos tempos?
Levantando o sorriso o maximo que pôde, a Capivara responde:
- Não lembra de nós velho amigo? Já faz algum tempo que não pelejamos juntos, mas não acho que seja possível que tenha se esquecido de nós.
- Coelho? Canária?
A Águia olha para o Gato pensativa e diz:
- Não, agora somos Capivara e Águia. Eu sei, eu sei, estamos um "pouco" diferentes.
- O que aconteceu com vocês!?
A Fênix abaixando leventemente sua cabeça em direção ao Coelho responde:
- Eles evoluíram, aprenderam com a vida e com a sua perda, me deixaram ajudá-los a chegar neste ponto, hoje são novas criaturas.
- Agora posso voar muito mais alto, mais alto do que as próprias nuvens, vejo as coisas muito mais longe do que antes. - Disse a Águia.
- Eu sei, o nome não é muito atrativo - comentou a Capivara - Mas sou o maior roedor que existe, meus dentes são fortes e muito afiados, sou mais forte e ágil do que pareço, principalmente dentro d'agua.
O Gato e a Gata ainda um pouco perdidos com tanta informação olham para a Fênix, como se isso os ajudasse a entender a situação.
- Agora é a vez de vocês.
Os olhos da Fênix brilharam como um par de chamas. As mesmas sete labaredas saíram do corpo da Fênix e começaram a envolver suavemente o casal de gatos.
Por alguns minutos mudos, não se pôde ver nada além das chamas em círculos ao redor deles. Quando as chamas finalmente voltaram para a Fênix, dois novos seres haviam nascido.
Era um Leopardo das neves e uma Onça pintada.
- Agora entendo melhor todo o propósito. - Disse o Leopardo erguendo-se das chamas restantes.
- Ótimo - Exclamou a Fênix - À partir de agora vocês estão prontos para que eu mostre à vocês a terceira, última e mais importante coisa. O fim de tudo o que conhecemos se aproxima.
(continua)
- Vinicius Neves