No inicio era perfeito. Os defeitos eram poucos e irrelevantes. A dedicação parecia ser total e o sentimento imenso.
Palavras, ações, fotos, presentes, flores, declarações públicas; um amor pra vida toda.
Em algum tempo - não muito - alguns detalhes começam a ficar mais explícitos. Ciúmes repentino, ataques de raiva, desconfiança desnecessária. É comum, não é? - Você se pergunta. Acho que sim. É porque ela gosta muito de mim - você se responde. Às vezes aquele ciúmes era até bonitinho, fazia tempo que não se sentia valorizado assim.
Essa pessoa te acolhe, procura cuidar da sua vida, se preocupa com você, apresenta à família, os amigos, te inclui ao máximo na vida dela. Isso é amar! Não é?
Esperou a vida toda por isso.
O tempo passa e você se envolve cada vez mais. Começa a depender desse relacionamento em vários aspectos. Tudo que é feito, decidido e pensado acaba sendo de alguma forma em função ao seu parceiro. Nada acontece sem que ele saiba, tudo deve ser pensado em como ela vai reagir. Invariavelmente precisa pedir algum tipo de autorização ou aprovação para coisas "importantes" como ver os amigos, ver a família, etc.
O ciúmes então vira obsessão. O cuidado vira paranoia. O amor vira sentimento de posse. Seu parceiro "cuida" tanto de você que perde um pouco o controle. Às vezes xinga, grita, quebra, bate... mas ele te ama, não ama? Ela se preocupa demais, é só isso. Não é por mal.
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A gente tende a relevar erros, e por ser um relacionamento duradouro acaba acreditando que tudo aquilo é suportável. Que vai melhorar. Que é uma fase.
As coisas começam a ficar cada vez mais sérias; mas promessas estão sendo feitas. Dessa vez será diferente. Você já acredita que não vale a pena terminar com o relacionamento. Há tanta conveniência em manter o que já construiu do que recomeçar do zero.
Nesse ponto da história, toda aquela "atenção" mostra seu efeito colateral: te transformou em uma pessoa com estima baixa. Se sente mal, feia, até mesmo ruim. Se alimenta e dorme mal. Deixou de cuidar da própria saúde. Seu rendimento no trabalho cai. Está afastado das outras pessoas da sua vida. Às vezes até os cabelos começam a afinar e cair. A pele está um pouco pálida - praticamente já não toma mais sol. Faz tempo que não sabe o que é se divertir e rir despreocupadamente. Se sente um lixo.
O pensamento estúpido que ninguém mais vai te querer além daquela que te faz sofrer em silêncio.
Você se tornou a vítima de um relacionamento abusivo.
Os sintomas podem ser um pouco menores ou um pouco maiores do que os citados. Um pouco mais de detalhes, um pouco menos. As fases podem passar de forma mais rápida ou mais lenta. Você pode ser homem, mulher, jovem, idoso, hétero ou homossexual.
No final das contas, a sequência é a mesma.
Em algum momento, depois de tanta dor, sofrimento, choro. Quando percebe (e se convence [demora um pouco mais]) que aquilo nunca irá mudar, nunca será melhor do que é nesse momento. Depois de tantas brigas, discussões, ameaças, violências (físicas ou não), desconsideração e falta de respeito generalizada; você desiste. É isso, não tem mais condições.
Pede a Deus por forças, chora, se entristece, e acredita que a vida nunca mais será a mesma. O medo do futuro preenche sua vida.
O tempo passa, e apesar das insistentes tentativas da outra parte em te perseguir e calúnias que ela compartilha com as pessoas ao redor dela - uma tentativa desesperada de manter algum poder sobre você; toda essa culpa e pesar vão passando. Um sorriso tímido começa a aparecer aos poucos.
Aquele sentimento por aquela pessoa começa a enfraquecer a cada dia mais.
Não era mais amor, afinal. Era medo.
Era costume de estar com a mesma pessoa.
Você volta a se alimentar melhor, sua vida começa a caminhar e se ajeitar aos poucos. Começa a se cuidar mais, cuidar da saúde, da aparência. Passa perfume, compra roupas novas, muda o cabelo, a barba.
Sua estima está voltando e não sente mais necessidade de depender de alguém. Voltou aos círculos sociais, aos amigos, à família. Começa a redescobrir novos hobbies.
A vida volta a ser boa. Como uma manhã ensolarada depois de uma noite tempestuosa que parecia nunca ter fim.
- Vinicius Neves
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