30 de abril de 2008

O PESO DO MEU SANGUE



Além do meu gênio, do meu jeito de ser,
Além da morte e da vida, do morrer e do viver,
Além de meu sangue, minha alma, minhas dores, minhas mágoas,
Esconde-se uma pessoa indecisa.
Que vive cada dia, como uma cena repetida,
Um simples pedaço de papel,
Que voa sem destino pelos ares do céu,
Um rio que não sabe encontrar
Uma estrada para chegar ao mar,
Um pequeno beija-flor,
Que beija muitas flores, mas às vezes, sem amor.
Quem sou? Ainda não sei.
Mas um dia eu descobrirei.
Qual o significado de minha existência,
Sem choro, sem receio, sem medo da penitência.






- Vinicius Neves

EL LOBO MARIACHI


Quando cheguei nesta terra desconhecida com uma palheta na boca e um violão nas costas, mal sabia o que me esperava. Carregava comigo minha mochila cheia de sonhos e coletava pesadelos pelo caminho. 

Minha viajem sem rumo tinha chegado ao fim...

Até hoje me perguntam quem sou. Não sei responder ao certo. Sou o mesmo lobo solitário que chegou anos atrás ferido, sem memória e sem passado.
O que passou não deveria ser mistério, tudo faz parte de nosso crescimento e destino. O meu foi de ser um cavaleiro errante.

O passado é como um corpo sem vida, se não ficar enterrado irá cheirar mal e definhar ao seu lado. O que eu passei em minha viagem não melindra minhas atitudes, só faço mal a mim mesmo.

Enquanto isso, neste belo dia de sol, verde e vento fresco, debaixo de uma árvore me repouso tocando meu violão. Minha mochila pesa, afinal de contas, pesadelos são devoradores de sonhos...


- Vinicius Neves

26 de abril de 2008

A MISÉRIA ANDA DE TREM


Em um sábado, eu estava voltando de mais um dia fatídico da faculdade; e dentro do trem nada mais, nada menos que quatro vendedores ambulantes vendendo seus respectivos produtos; uma vendia escova de dentes, outro bala, outro tesoura e outro cerveja, coca e água.
Fiquei pensando; proibiram essa gente de fazer a venda nos trens, e ainda dizem que não devemos comprar para não incentivar, mas meu rapazzz, esse povo tá trabalhando! Provavelmente trabalham todos os dias da semana, ficam andando de um lado pro outro com pouco lucro, não estão roubando ninguem, só estão tentando manter a própria vida e da família de algum jeito!
Num país onde o desemprego alcança níveis absurdos, não há muitas alternativas! E ainda querem que esse povo pare de trabalhar!? Pra eles tá ótimo mesmo, deputados e afins, ganham o seu dinheiro covarde nas nossas costas!
Não sei quantos brasileiros sabem disso mas nós temos OS DEPUTADOS MAIS CAROS DO MUNDO, que incrívelmente não fazem nada!!! NADA!!! Não me recordo do salário e das regalias deles, mas quando encontrar eu posto aqui; mas sei que nossos deputados são mais caros que os dos países desenvolvidos! É de dar risada e de dar pena de nós mesmo também!
Pra se entupir de dinheiro e caviar, movem montanhas; mas para criar empregos, melhorar a saúde, melhorar as escolas, ninguem não tá nem aí! É de matar essas atitudes, ao invés disso preferem meter todo mundo na cadeia e proibir de vender os produros - que tá certo, na maioria é pirata, mas se as coisas originais não tivessem tantos impostos a ponto de terem o valor aumento várias vezes, não teria necessidade de produtos piratas.

Proibir de trabalhar? Me poupe amigão, vocês que deviam fazer o trabalho de vocês de verdade.





- Vinícius Neves

25 de abril de 2008

O VELHO MENDIGO


Há muitas luas, um pobre e velho mendigo me parou na rua para me contar uma história de anjos e demônios, contou que ele era linha de frente de uma batalha espiritual e que por desatino e falta de atenção, ficou tentado a pender para o lado sombrio, até que certo dia caiu em tentação pelos braços suaves de uma mulher que lhe fizera sentir em seu corpo o céu e o inferno. Contou de como aquele ser gracioso lhe fizera esquecer seus problemas com seu corpo muito bem esculpido pelas mãos de Deus. Contou-me também que do mesmo modo que ela havia acertado seu coração como uma flecha de cupído, acertou-o com uma bala, pouco tempo depois de ter chegado em seu apartamento e ter descoberto que ela o havia saqueado.

Com uma lágrima nos olhos, o velho mendigo olhou para mim e disse:


- Esqueçamos isso. Moço, tem um trocado?



- Vinicius Neves

ANJO


Sempre que me lembro quando lhe toquei, naquele dia que passou tão rápido quando trocamos olhares. Eu não sabia lhe expressar o que estava sentindo... Não sei se tu podes ver que por ti, pularia ao léu, de todos os presentes, o limite seria o céu.
E todas as pequenas coisas que passaram, são finalmente, passado.
E não estou nem aí para quem me ouvir gritar, pois digo de todo o coração, que para sempre, para sempre eu vou te amar.
Não sei se tu podes entender, mas meu pequeno coração destruído só bate por você.
Espero que não ache que estou exagerando, nem inventando isso lá do fundo, mas é que quando te vejo, em meus olhos nasce sempre um novo mundo.
E eu quero que tu olhes em meus olhos de saudade, e tente mentir ao menos uma vez se nunca me amou assim de verdade.
E se meus lábios não puderem tocar os seus ao menos uma vez, morrerei, e digo adeus a quem sempre amei.






- Vinicius Neves

22 de abril de 2008

AMOR LOIRO DOS OLHOS AZUIS


Te abracei e senti teu corpo se juntar ao meu.
Tão maravilhoso foi a mistura de sentimentos que se ergueu.
Não era necessário temer.
Enquanto tu tivesses a mim
E eu tivesse você.
Não tema,
Pois sou eu, teu amado que lhe sustenta.
Que meus sentimentos sejam passados a ti neste momento.
Tudo passou; defeitos, tristeza e sofrimento.
Sinta meu corpo lhe tocar com amor.
Embora a pouco fosse dor, agora é calor.
Sinto que estás mole de prazer, também estou,
Tão intenso foi nosso momento que este nos calou.
Noto cada parte de teu corpo: o branco, a maciez e a delicadeza de sua pele.
A beleza de suas curvas num lençol cor-de-neve.
Que o mundo sinta inveja por eu ter dormido com um anjo de cabelos louros,
Que neste momento encontra-se em meus ombros em repouso.
Tão doce foi este momento como o próprio mel,
Linda, vejo minha dama exausta com seus olhos cor-de-céu.
Ficamos ainda um momento abraçados,
Sentindo ainda o esplendor de nossos corpos suados.
Lhe beijo na testa e digo que a amo.
Neste instante, os anjos abriram os portões do céu num momento de acalanto.

- Vinicius Neves

UM LUGAR PARA CHAMAR DE MEU



Se a vida fosse um mar de rosas, com certeza teria corais de espinhos.
Queria poder voar para longe, onde as nuvens da solidão não possam fazer sombra sobre mim, onde as tempestades de desespero não possam me molhar, onde o raiar da felicidade possa me aquecer. 
Voar... Voar sem ter asas. 
Um lugar onde nossos olhos habituais fossem cegos e os olhos do coração pudessem enxergar além do alcance. 
Um lugar para chamar de meu, onde minha alma fosse liberta das correntes da amargura. Deixar de degustar o desprezo e o sal de minhas lágrimas. 
Purificar meu coração dos pesadelos que o assolam.
Viver meus sonhos.
Viver por ti.
Te amar debaixo de uma árvore de carinho, ceiando contigo frutos de amor.
Um lugar onde não haja mais ninguém além de nós dois; onde eu possa ser seu e você possa ser minha para sempre.
Viveremos neste mundo, onde nada nos prenderá, e se algo tentar, o amor nos livrará.



- Vinicius Neves

20 de abril de 2008

AQUELE



Hoje matei...
Que tristeza alegre que eu sinto.
Tudo que sentia precisava ser transmitido.
Sou aquele que tem seu sangue nas mãos e não me arrependo.
Desfiado estava meu coração de pano em seus remendos.
Em meio a prédios distantes
Me desprendo do passado e me vejo neste instante.
O calibre da morte fez seu peso final.
Seu sangue de mentiras e falsidade pinga de meu punhal.
Sou aquele que viveu por ti, mas agora decidiu apenas viver.
Nada de sentimentalismo, nem ansiedade de te ver.
As palavras e palavras vazias agora cobram o seu preço
Escorrendo junto ao sangue à medida que apodreço.
Agora sou novamente dono de mim, sou minha supremacia.
Chega de atentados de sentimentos e de sua tirania.
Sou aquele fustigado, desencadeio o horror.
Sou simplesmente aquele que assassinou o amor.



- Vinicius Neves

ROSAS PELO CAMINHO


Eu acordo e vejo o mundo ainda em sono profundo, por mais que eu tente acordá-los; seus corações pesam demais para que se levantem.
Enquanto todos se misturam à lama e imundice de toda a humanidade, o máximo que sabem fazer é reclamar de sua triste situação. Outros já se habituaram a atrofiar seus ossos nesta lama escura.
Será que será necessário a minha morte para que as pessoas escutem minhas palavras, para que escutem o que estou tentando dizer? Que a vida nunca terá mesmo sentido nem razão se olharmos só para nós mesmos; a vida são os outros, somos nós, somos o todo, a vida não é algo pequeno que limite-se apenas a um indivíduo; é algo grande que estende-se até os confins da Terra, e quem sabe, até mais além.
Andar sozinho nesta estrada só nos levará a um beco sem saída.
Andar sozinho nesta estrada só nos levará a outra estrada perdida.
Andar chutando os corações pelo caminho.
Andar pisando nas flores, só notando os espinhos.
Andar olhando para baixo, sem notar o seu vizinho.
Andar sujo, andar sem rumo, andar sozinho.
Será que é tão difícil entender que você é eu, e eu sou você?


- Vinicius Neves

FRESTAS NA JANELA



Uma corrente de ar gélido e ao mesmo tempo quente percorre o meu peito quando penso em ti. Pensar em ti corrói minha alma assim como as águas do mar que batem nas pedras da enseada fazem-nas dissolver. Fico aqui pensando, simplesmente; num momento distante onde toco levemente nossos lábios, com os olhos vendados pelo momento e a boca entreaberta pelo prazer. Nossos corpos a se tocar numa leveza de pluma ao vento, porém queimando parte em parte com o calor de mil sóis. Gestos simples como espantar levemente seus cabelos de seu rosto com minha mão, para fazê-la deleitar em sua palma torna-se sentimento complexo e sem tamanho.
Vejo a ti; sem palavras - não são necessárias, nossos olhos nos dizem tudo.
Exalamos desejo e palavras sem nem ao menos dizer alguma coisa. Contorno cada curva de teu corpo com meus lábios.
Entregamo-nos um ao outro em suspiros e delírios enquanto a noite cai e a lua escorre por entre as frestas da janela.


- Vinicius Neves

AS CRÔNICAS DO GATO E O COELHO II - NÃO CHORE


BRILHE MAIS FORTE SOL, PARA OFUSCAR O UNIVERSO.

- Não chore – disse o coelho levemente aflito.
- Minhas lágrimas o tempo há de secá-las com o lenço do esquecimento – retrucou o gato.
- O tempo está muito velho e cansado de jogarem este tipo de fardo em suas costas.
- É porque ainda não inventaram remédio melhor.
- Difícil imaginar o que está sentindo...
- É como se uma clave de espinhos que se expande e dança dentro de meu coração a cada lembrança que atravessa minha mente; retalhando mais e mais sem descanso ou intervenção.
- Deve ser muito ruim mesmo...
- As cores se tornam pálidas ao desfalecer mútuo de meus órgãos, o gosto torna-se serragem ao meu paladar, o único gosto além deste que sinto é o do sal de minhas lágrimas.
- Talvez esteja exagerando um pouco...
- Exagero é amar sem ser correspondido! Quem já amou sabe a dor que é amar e perder, ou até pior; nem ter a pessoa amada! Ninguém pode julgar o que é amor se não está sentindo o próprio; cada um sabe o que é sentir a própria dor descer-lhe a garganta e explodir no coração. Ninguém tem direito nem conhecimento para julgar o amor dos outros. Quem fala alem disso é um ignorante, arrogante e cego; ninguém pode impor limites ao o que é amar. Não é algo que possa ser definido.
- Realmente não sei o que é isso.
- Nunca amou ninguém?
- Sempre fechei-me para estas coisas; tenho outras coisas para pensar; não tenho tempo para perder sofrendo. Vejo sua dor e a compartilho, é o bastante para mim.
- Não pode dizer que é o bastante sem viver isso.
- E afogar-me em lágrima assim como você?
- A cada morte em lágrimas renascemos das cinzas mais forte que nunca.
- Me conformo com o que tenho.
- Pois eu não. Busco sempre a estrela mais alta.
- De que adianta buscar a estrela mais alta e cair?
- Talvez na queda aprendamos a voar.
- Ou aprender a cair.
- Também é uma experiência válida.

Passos miúdos cortam a conversa dos dois amigos. Era um pingüim.

- Que caras mais tristes são estas? – pergunta o pingüim.
- Meu amigo gato esta sofrendo de amor.
- Amor? Mas não há motivo para se sofrer no amor!
- Quando não se é correspondido sim – retrucou o gato.
- Talvez possa ajudá-lo! – exclamou o coelho.
- Ajudá-lo como? Não há o que dizer, o amor é algo belo, coisas belas não nos fazem sofrer.
- Diga isso ao meu coração. O amor entrou pelas veias dos meus sentimentos descuidados e infectou meu corpo inteiro. Minha cabeça gira, meu coração dói, minhas mãos suam, minhas pernas tremem, meus pulmões falham, meu corpo estremece.
- Se encarar como doença, certamente lhe será.
- E não há cura? – perguntou o coelho.
- O próprio amor é a doença e também sua própria cura.
- Como posso usá-lo como cura?
- Meu rapaz, nota-se que é um jovem muito inteligente e vivido. Há certas coisas neste mundo e nos outros também que não devemos procurar respostas complexas; as coisas do coração são complexas, mas suas respostas são simples. É questão de saber interpretar a sua própria realidade, aprender com seus próprios erros, coisas que são óbvias, mas por isso mesmo só as enxergamos por último, pois queremos sempre complicar e dar uma solução lógica pra tudo. Não percebe que existem exemplos em nossas vidas e nas dos outros que temos que aprender? A vida é uma constante aula de aprendizado, só que temos que prestar atenção ou seremos reprovados! Existem tantas coisas para se aprender, somos eternos aprendizes! Há tanto para se aprender... Tantas histórias...

Dito isso, o pingüim olha para o céu fixamente.

O que está olhando? – pergunta o coelho.
O sol. – responde o pingüim.
Enxugando suas lágrimas o gato pergunta:
- Que tem ele?
- O sol está apaixonado pela lua.
- Apaixonado?
- Sim. Se amam em segredo. O universo conspirou para que eles se separassem. Separou o dia da noite para que nunca se vissem. Porém o sol continua sempre em busca da lua; todos os dias ele dá a volta da Terra em busca de seu verdadeiro amor. Ele só conhece um caminho para chegar até ela: leste a oeste. Mas o segue insistentemente. Há ocasiões em que conseguem se encontrar e desligam suas luzes para se arder em seu amor, mas o universo conspira novamente para separá-los. E eles não desistem.
- Como eu poderia aprender com isso? – pergunta o gato.
- O amor existe. Não tenha pressa e siga o caminho que você conhece, no meio dele você encontrará quem te merece e quem te ame. Poderá dar muitas voltas, você pode encontrar o seu amor várias vezes até o dia em que fiquem juntos pra sempre e sejam um só. As voltas podem ser longas e o caminho duro, mas tenha a convicção de que você encontrará, pois em algum lugar deste caminho o amor estará te esperando, como sempre esperou a vida inteira. E poderão atravessar juntos todas as pontes de esperança e cruzar todos os amanhãs e finalmente encontrar o bom futuro.
- E se o universo conspirar? – pergunta o gato.
- O universo é infinito, mas saiba que o amor também é. E pode vencê-lo facilmente se realmente for verdadeiro. Agora tenho que ir. Meu amor me espera. Nós pingüins temos muita sorte, encontramos sempre o amor de primeira!
- Adeus! E obrigado por tudo!

O pingüim acenou e começou a diminuir-se no horizonte alaranjado ao pôr-do-sol.

- Hey! Espere! E se houverem outros amores pelo caminho!?
- Haverão! É um ciclo natural!
- Como farei pra saber qual é o amor de verdade!?
- Você saberá meu caro! Você saberá!

Os dois amigos ficam olhando o pingüim desaparecer completamente das vistas em silêncio.
Com o cenário alaranjado do pôr-do-sol o coelho pergunta:
- Que faremos agora?
Limpando a última gota que escorria de seus olhos, o gato sorri e responde:
- Vamos caminhando. Há muito que se viver ainda.


- Vinícius Neves

AS CRÔNICAS DO GATO E O COELHO I - PONTE


PONTE, AONDE NOS LEVARÁ?

Um gato e um coelho conversam na terra do ‘Hoje’:

- Que ponte é essa? – indagou o coelho.
- É a ponte da esperança. – respondeu o gato.
- E até onde leva?
- Não sei ao certo. Sei somente que leva à outra terra, levemente parecida com esta, mas tem um contexto e um significado bem diferente.
- E qual o nome desta terra tão misteriosa?
- Chamam de ‘Amanhã’.
- Como sabe tanto dessas coisas? É somente um gato.
- Sou um gato de rua; poderia ter sido criado com requinte, mas preferi a liberdade. Ouço todas as histórias, conheço muitas pessoas e viajo por muitos lugares.
- E o que você pretende fazer?
- Não sei. Tudo que vemos aqui é muito bom, mas quero descobrir o que há além da ponte.
- Mas ela é muito longa para se andar.
- Nem tanto. Acho que até o final do dia poderemos chegar até o seu final, desde que não nos apressemos. Dizem que quem tem pressa faz demorar mais sua chegada.
- Que estranho.
- Realmente.


Os dois olham para o horizonte além da ponte, mas pouco enxergam. O gato comenta:

- O mais interessante é que esta terra desconhecida do ‘Amanhã’ faz parte de um continente ainda mais desconhecido.
- Sério? Qual?
- Chamam de ‘Futuro’.
- Já lhe disseram como é?
- Ninguém sabe. Só fazem planos e imaginam. Ninguém pode garantir como realmente será.
- E depois desta terra, o que há?
- Outra ponte. Leva para outro ‘Amanhã’. Mas é o ‘Amanhã’ do ‘Amanhã’.
- Parece confuso.
- Na verdade é bem simples.
- Mas então é muito mais longe!?
- É. Depois desta outra ponte haverá outra ponte, e outra, e outra, e outra... até chegarmos no final do ‘Futuro’.
- Só de pensar me cansa!
- Pode até ser, mas não posso ficar aqui parado sabendo que há tanto para se ver além desta ponte.

Dito isso, o gato deu alguns passos à frente; olhando para trás pergunta ao coelho:

- Você não vem?
- É tão longe. Só de pensar me dá sono e fome também. E se não houver o que comer lá? Aqui tenho quase tudo o que preciso.
- Quase tudo?
- É. Tenho um lugarzinho que posso viver; tenho algumas cenouras para comer; alguns galhos e buracos na terra onde posso me esconder quando necessário.
- E pretende viver o resto de sua vida assim? Engordando, dormindo e se escondendo?
- Não é muito honroso; mas é o que tenho.
- Não te passa pela cabeça de que além da ponte pode haver algo melhor para nós?
- Passa, mas e se não houver?
- Haverá outro ‘Amanhã’. Só atravessando a ponte para descobrir!
- Tudo bem. Se não me agradar eu volto.
- Não pode voltar.
- O que? Por que não?
- Esta ponte é só de ida. Quem a atravessa não pode voltar.
- E como faz depois?
- Só há esta ponte; ou permanece onde está, ou prossegue.
- E você me deixaria aqui sozinho?
- Alguém tem que prosseguir.
- Então vou junto, mesmo sem querer ao certo ir.

Sorrindo o gato exclamou:

- Ótimo! Está com sua mochila de erros?
- Sim. Sempre carrego comigo.
- Muito bem; então a deixe aqui, ela pesa demais e isso nos atrapalhará em nossa viagem. Leve apenas a sacola de aprendizado que está dentro dela; nos será muito útil.
- E se realmente não tivermos idéia nenhuma do que nos aguarda? É uma terra misteriosa de incertezas, e não sabemos o que pode acontecer.
- Isso mesmo! Está começando a entender tudo! É aí que está a graça! Enquanto não soubermos de nada, TUDO pode acontecer!
- E se acontecerem coisas ruins?
- Nas coisas ruins também existem recompensas boas! É tudo um emaranhado de novas possibilidades; uma nova aventura a cada alvorecer!
- Então prossigamos. A caminhada é longa.

- Vinicius Neves

O CHÃO NOSSO DE CADA DIA


Olho para o meu povo e os vejo jorrando sangue.
Os olhos de meu povo são enrugados, esbranquiçados e semi-cerrados de cansaço.
As mãos de meu povo são ásperas, devido ao longo tempo da vida dedicada ao trabalho duro.
O estômago de meu povo é vazio, de ganhar pouco; e o pouco que se tem é salafrariamente roubado pelos poderosos.
Os dentes de meu povo são ausentes, pois não há tempo, nem dinheiro, nem ajuda para cuidar deles.
Olho para os poderosos e vejo a ganância, a avareza e a insensibilidade.
Os olhos dos poderosos são cegos, enxergam apenas a si mesmos.
As mãos dos poderosos são fechadas, abrem apenas para tragar mais dinheiro.
O estômago dos poderosos é forrado de carnes nobres e iguarias caras, mas quem paga por tudo isso é o meu povo.
Os dentes dos poderosos estão sempre à mostra, demonstrando toda a falsidade e a hipocrisia que eles exalam.
Enquanto os poderosos se beneficiam de caras ceias, o único gosto que meu povo sente é o sal de suas lágrimas.
Porém, vejo no mundo um novo brilho de esperança, onde a criança que antes era desleixada torna-se compadecida e solidária com as pessoas ao seu redor; e mantém em seu coração um crescente sentimento de preservação ambiental. O trabalhador que antes era ouvinte de cabeça baixa, hoje é um protestante em prol de seus direitos. As pessoas que pensavam apenas em si mesmas estão entrando em extinção, percebo a luz dos novos fatos que tem invadido as brechas do coração e iluminado a escuridão de suas almas.
Quem diria? Todos que pensavam e falavam mal, hoje estão vendo e vivendo o início de uma revolução; o sonho e o desejo secreto do espírito anarquista de cada um.






- Vinicius Neves